Em jeito de homenagem a Pessoa e Wilde, ambos falecidos a 30 de Novembro (1935 e 1900 respetivamente), publicamos aqui um dos poemas em prosa de Wilde que Pessoa traduziu, mas não publicou, na transcrição de Jorge Uribe:
O QUE FAZIA O BEM de Oscar Wilde, tradução de Fernando Pessoa
Era noite e Ele estava só.
E Ele viu de longe os muros de uma cidade e avançou para a cidade.
E quando se aproximou ouviu dentro da cidade o pisar dos pés da alegria, e o riso da boca do prazer, e o som [alto] de muitas [flautas]. E bateu à porta e alguns dos porteiros abriram-na.
E Ele viu uma casa que era de mármore e tinha adiante belas colunas de mármore. Das colunas pendiam grinaldas e dentro e fora havia archotes de cedro. E ele entrara.
E quando tinha atravessado a sala de calcedónia e a sala de jaspe e chegado à grande sala do banquete, viu deitado num leito de purpura um cujo cabelo estava lavado de rosas e cujos lábios estavam roxos de vinho.
E Ele passou por traz e bateu-lhe no hombro e disse-lhe “Porque vives tu assim?”.
E o jovem voltou-se, reconheceu-O, e, respondendo, disse: “Mas em tempos eu era leproso e tu curaste-me. Como hei de eu viver senão assim?”.
E Ele saiu da casa e tornou outra vez para a rua.
E pouco depois viu Ele uma mulher cuja face e vestes eram pintadas e cujos pés calçados de perolas. E atrás dela vinha, lento como um caçador, um jovem com uma capa de duas cores. Ora a face da mulher era como a face bela de um ídolo e os olhos do jovem traziam o brilho da luxuria.
E Ele seguiu depressa e tocando na mão do jovem disse-lhe “Porque fitas tu essa mulher desse modo?”
E o jovem, voltando-se e reconhecendo-O, disse: “Mas eu em tempos era cego, e Tu deste-me a vista. Para que olharia eu senão para isto?”.
E Ele avançou, correndo, e tocou nas vestes pintadas da mulher e disse-lhe: “Não há outro caminho que seguir senão o caminho do pecado?”
E a mulher voltando-se e reconhecendo-O, riu e disse: “Mas tu perdoaste os meus pecados e a via é agradável”.
E Ele saiu da cidade.
E quando saíra da cidade viu sentado à beira do caminho um jovem que chorava.
E Ele avançou e tocando-lhe no cabelo cumprido, disse-lhe: “Porque choras tu?”.
E o jovem erguendo o olhar e reconhecendo-O respondeu: “Mas eu em tempos era morto e tu ergueste-me dentre os mortos. Que hei de fazer senão chorar?”.